Política

Senadores criticam CFM por liberação do uso do ‘kit covid’

Senadores criticaram o Conselho Federal de Medicina (CFM), nesta segunda-feira (19), por ter dado autonomia aos médicos brasileiros no uso do chamado kit covid para combate ao coronavírus.

Em reunião da Comissão Temporária da Covid-19 (CTCOVID-19), Zenaide Maia (Pros-RN), que é médica, questionou se o órgão permanece com a mesma posição “mesmo depois de um ano de pandemia e vários estudos científicos terem comprovado a ineficácia dos medicamentos”, como a ivermectina e o hidroxicloroquina.

Já Kátia Abreu (PP-TO) considerou a posição do conselho semelhante à do governador romano da Judeia, Pôncio Pilatos, que lavou as mãos, condenando Jesus Cristo à morte.

— Vocês [do CFM] lavaram as mãos. Poderiam ter dado uma grande contribuição ao país, e não deram. Preferiram obedecer a burocracia. Enquanto isso, morrem quase 400 mil pessoas no Brasil — protestou.

Além do CFM, participaram do debate virtual sobre os protocolos para o tratamento dos infectados representantes do Instituto Questão de Ciência (IQC), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e dos médicos intensivistas.

Autonomia

Vice-presidente do CFM, Donizetti Giamberardino negou que o conselho seja favorável ao kit covid. Ele disse, no entanto, que os médicos têm autonomia na prescrição de medicamentos, e que o CFM alerta esses profissionais a não se excederem na indicação de exames e remédios excepcionais. O debatedor afirmou ainda que a medicina caminha ao lado de evidências científicas e disse que a indicação inadequada de tratamentos pode levar os clínicos a responderem judicialmente.

— O médico tem capacidade e deve decidir, em dose e tempo corretos. E isso se refere a qualquer medicação. Mas essa autonomia é limitada ao benefício, e quem ultrapassar responde por isso — alertou.

Na opinião de Zenaide, mais grave que efeitos colaterais comprovados cientificamente, como a insuficiência hepática pelo uso dos medicamentos, é a falsa impressão de segurança que a liberação dada pelo CFM promoveu junto aos cidadãos.

— Isso levou as pessoas a irem às ruas e deixarem de usar máscaras. Eu sou médica, mas não posso achar que um medicamento é bom e prescrevê-lo aos meus pacientes. Medicina não é achismo — observou.

Evidências científicas

Para a presidente do IQC, Natália Pasternak, a ciência deve ser vista como aliada da medicina e da saúde pública, para que todas as decisões sejam tomadas com base em informações corretas e evidenciadas. Doutora em microbiologia, Natália disse que o tratamento precoce contra o coronavírus tem componentes desmentidos pela ciência. Segundo ela, existem evidências científicas, em mais de 30 estudos, de que medicamentos como ivermectina e hidroxicloroquina não funcionam. Ela lamentou o fato de alguns médicos indicarem esses remédios, “numa tentativa desesperada de oferecer algo aos pacientes”.

— Anticoagulantes não são indicados para o tratamento. Inclusive, alguns são perigosos para a saúde. Antibióticos não devem ser receitados para infecções virais, e esse kit está sendo prescrito indiscriminadamente no Brasil. Há perigos em receitar esses medicamentos, principalmente num momento frágil, onde as pessoas estão desesperadas e com medo e os médicos precisam de respaldo claro do Ministério da Saúde para ter tranquilidade.

Invalidação

Médica pneumologista e pesquisadora da Fiocruz, Margareth Dalcolmo defendeu o cumprimento de protocolos em todos os níveis para “uma doença tão polimorfa e complexa quanto a covid-19”. Ela disse que o Brasil sofre uma “confusão agravada pelo uso desordenado de esquemas terapêuticos de muito pouca validação”. E considerou perda de energia e de dinheiro o Brasil comprar medicamentos que, segundo afirmou, “não serviram para nada”.

— Os medicamentos desses kits precoces não servem para nada, nós já sabemos disso. Vimos no Brasil uma utilização de tratamento sem base alguma e que resultou, seguramente, não como causa definitiva mas como causa adjuvante, de que o Brasil seja hoje esse país com essa mortalidade que nos constrange enormemente e com uma letalidade que igualmente também nos constrange muito, como médicos. E aí eu estou falando como médica que assiste paciente, que interna paciente, que trata paciente grave em unidade de terapia intensiva.

Exemplo

Margareth destacou exemplos positivos do país, como os serviços públicos prestados pelo Hospital Ronaldo Gazolla, no Rio de Janeiro, que tem 420 leitos dedicados exclusivamente a pacientes com covid-19. Para a especialista, essa é uma das provas de que o país pode operar em condições que obedeçam às evidências científicas.

— Visitei o hospital onde são seguidos protocolos de conduta para paciente internado, muitos dos quais já chegam em ambulância, muitos já intubados na rede primária, ou seja, de maneira completamente não desejável — eu não posso dizer equívoca, porque se não intubar o paciente vai morrer, mas chegam em condições muito graves. Então, é um hospital público com limitações de recurso, sem dúvida nenhuma, mas onde em nenhum momento faltou kit intubação; onde os médicos, os enfermeiros e todo o pessoal de saúde têm trabalhado com as limitações, mas de acordo com os melhores preceitos éticos.

Desinformação

A ciência aliada à medicina, à vacinação em massa e a uma comunicação adequada do governo foi o ponto comum do debate. Kátia pediu que a comissão realize um estudo que ajude o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a orientar o governo federal a realizar uma campanha de massa que conscientize a população sobre as medidas sanitárias de enfrentamento da pandemia.

— Não é possível termos campanhas maravilhosas do Tribunal Superior Eleitoral instigando as pessoas a fazerem o voto correto nas eleições e não termos uma propaganda urgente e maciça que oriente as pessoas sobre o uso de máscaras e vacinação e diga que o uso desses medicamentos não tem evidencia científica.

O relator da comissão, senador Wellington Fagundes (PL-MT), considerou a desinformação o maior problema do Brasil na atualidade e disse que o governo federal erra na forma de se comunicar com a população. O parlamentar ressaltou que a política de saúde brasileira é elaborada pelo Poder Executivo, mas observou que a execução das ações de combate ao coronavírus cabe aos estados e, principalmente, aos municípios. Wellington disse ainda que medidas de isolamento impostas pelos estados para conter o vírus são necessárias, mas devem ser feitas com critério e bom senso.

— É preciso melhorar a comunicação com a população para esclarecer o que é uma pandemia, ou seja, um problema alastrado no mundo inteiro. Infelizmente nossos meios de comunicação estão sendo usados erroneamente. Até agora, estamos perdendo vidas, justamente por não termos uma informação correta e adequada — declarou.

Campanhas

Natália Pasternak reforçou a importância da comunicação oficial e em massa. Para ela, campanhas institucionais são fundamentais na conscientização dos cidadãos, tanto sobre os cuidados para a contenção do vírus quanto para o chamamento à imunização.

— Não existe vacinação sem campanha informativa. Sem comunicação e sem campanha, a gente não consegue sequer adesão ao uso de máscaras. Esse planejamento precisa vir diretamente do governo federal e não pode ser deixado a cargo da mídia.

Ao responder um questionamento da senadora Daniella Robeiro (PP-PB), Natália disse que o lockdown — o confinamento total das pessoas — é mais efetivo quando aplicado no começo de uma pandemia, e adotado com menor rigor ao longo dela. O problema, segundo a cientista, “é que o Brasil não tomou nem uma nem outra dessas medidas”.

Vacinação 

O vice-presidente do CFM também defendeu a vacinação em massa como solução para a pandemia e pediu que a população esteja atenta às medidas de contenção do coronavírus: uso da máscara, higiene das mãos e distanciamento social.

— Precisamos dos esforços de todos os legisladores e executivos na compra da vacina. O melhor caminho, talvez, seria fábricas no Brasil, [já que] essa vacinação a conta-gotas tem um resultado menos efetivo do que a em massa. Precisamos de políticas públicas de conscientização da população, e não de condutas públicas que a confundam, o que é um desserviço — ponderou.

Intensivistas

Diretor do Hospital DF Star de Brasília, o médico intensivista Fabrício Silva lamentou que, de cada dez pacientes intubados com covid-19, oito morram no país. Ele afirmou que os métodos de sedação e analgesia não são algo simples e que médicos recém-formados ainda estão imaturos para tratar da situação. O debatedor deu sugestões, como a elaboração de cartilha com o passo a passo sobre esses procedimentos e ainda cursos com orientações para atendimento dos pacientes iniciais. Silva também sugeriu a instalação de uma linha de discussão com o Ministério da Saúde, com plantão 24 horas, para que os profissionais possam discutir os casos mais sérios.

Para o médico, as autoridades precisam entender as características de cada região do país, a fim de colaborar com a padronização do tratamento dos infectados com covid-19, “numa linha de cuidado que seja única, de norte a sul do país”.

— É inegável o quanto saímos imaturos da graduação e despreparados para tratar um paciente crítico com covid. A ideia seria individualizar o cuidado, numa padronização que precisa atingir, de diferentes formas, os profissionais. Tanto os recém-formados quanto os mais experientes.

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