Política

Câmara reúne especialistas para debater projeto que prevê treinamento de profissionais para identificação de abusos

Vereadores e especialistas discutiram, durante audiência pública na manhã desta quarta-feira (08), o projeto de lei que prevê treinamento de profissionais da educação e agentes de saúde para identificarem sinais de abuso moral, físico, sexual e exploração sexual infantil. A proposta já foi aprovada na Câmara e acabou vetada pelo Executivo. O veto total vai para análise em plenário na sessão desta quinta-feira (09).

“Defendemos a bandeira da vida e da família. Entendemos que a nossa proteção deve ir do ancião ao recém-nascido, e a proteção à criança é uma constante em nosso mandato. Nosso intuito é instruir agentes de saúde e educação para que possamos identificar casos de abusos simples. Não vamos onerar significativamente os cofres públicos. O treinamento pode ser online. Queremos trazer luz sobre essa questão tão importante”, disse o vereador Clodoílson Pires, autor do projeto e proponente da audiência.

O projeto de lei 10.181/21 previa treinamento por meio de cursos, palestras, seminários e demais recursos, desde que com a carga horária mínima de 10 horas. Ele seria obrigatório a todos os profissionais da educação e agentes de saúde que tenham contato direto ou indireto com crianças e adolescentes nas dependências das escolas públicas ou privadas.

“Como criança, em regra, qual o único lugar que compõe o cotidiano delas? A escola. Não à toa, na primeira semana de volta às aulas, aumentaram os relatos de abusos feitos durante a pandemia. Os agentes de saúde já registram os casos que conseguem identificar. Mas, como identificar se não forem treinados para isso?”, questionou o parlamentar.

Dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos mostram que, dos 159 mil registros feitos pelo Disque Direitos Humanos ao longo de 2019, 86,8 mil são de violações de direitos de crianças ou adolescentes, representando 55% do total. A violência sexual figura em 11% das denúncias. O levantamento da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos permitiu identificar que a violência sexual acontece, em 73% dos casos, na casa da própria vítima ou do suspeito, sendo cometida por pai ou padrasto em 40% das denúncias.

Segundo a delegada Fernanda Félix, titular da DPCA (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente), a proposta vem de encontro aos anseios das crianças e dos adolescentes, que, muitas vezes, sofrem em silêncio.

“Uma criança vítima de violações de direitos necessita de um adulto que ela confie para relatar essa violação e esse abuso. Fica difícil ela encontrar essa pessoa. Essa violência, muitas vezes, fica velada. Nesse último ano, foi muito difícil para as crianças. Precisamos desse olhar diferenciado para nossas crianças. É uma necessidade esse amparo maior, pois uma infância traumática gera um adulto cheio de problemas e que carrega para a vida toda. Essa proteção é dever de cada um de nós”, afirmou.

Durante a pandemia de covid-19, o número de denúncias caiu 12% em comparação ao mesmo período do ano passado. Foram registradas 26.416 denúncias pelo canal “Disque 100” entre março e junho de 2020, contra 29.965 no mesmo período de 2019. Tais dados revelam uma consequência do isolamento social.

“Vivemos um momento muito difícil, pois as crianças ficaram em casa um bom tempo. Do nosso retorno, no final de julho, até sexta-feira, tivemos 15 casos de violência sexual em crianças e adolescentes, fatos esses comprovados, com os devidos encaminhamentos. Quando as crianças chegam nas escolas, é lá que elas vão manifestar seu sofrimento. Isso é muito dolorido, pois os violadores são muito próximos”, lamentou a Superintendente de Gestão e Normas da Semed (Secretaria Municipal de Educação), Alelis Izabel Gomes.

O promotor de justiça Nicolau Bacarji Junior, da 33ª Promotoria de Justiça de Campo Grande, que atua junto a Vara da Infância, Adolescência e do Idoso, também elogiou a proposta. “Essa capacitação irá ao encontro da defesa dos direitos de toda criança e adolescente que se encontra em situação de risco. Falamos muito em violência sexual, mas observo que a violência engloba todo e qualquer ato que venha constranger e influenciar o desenvolvimento da criança e do adolescente. Espero que esse projeto se torne efetivamente uma lei municipal”, disse.

O projeto também ganhou apoio da presidente do CMDA (Conselho Municipal da Criança e do Adolescente), Regina Célia Filipini Malta. “Devemos isso às nossas crianças e adolescentes. Estamos à disposição para que possamos nos articular em rede. Precisamos fortalecer isso para que nossas crianças, de fato, tenham seus direitos garantidos, seja em qualquer tipo de violação que elas sofram”, afirmou.

A Prefeitura justificou o veto alegando invasão de competência do Executivo “por criar uma obrigação para a estrutura administrativa das escolas e estruturas da saúde”. Além disso, considerou que há “vício de constitucionalidade material por afronta ao princípio da separação de Poderes”. A SAS (Secretaria Municipal de Assistência Social) também se manifestou contrária à proposta, afirmando que já são realizadas formações conforme a Política Nacional de Educação Permanente do Sistema Único de Assistência Social PNEP/SUAS, “não sendo conveniente as alterações propostas”.

No entanto, para o presidente da ACP (Sindicato Campo-grandense dos Professores), Lucílio de Souza Nobre, o projeto complementa outras normas já existentes de proteção às crianças violadas em seus direitos. “O projeto vai dialogar com tudo aquilo que já existe nas leis, que é essa proteção integral à criança e ao adolescente. A gente tem que ir além. É importante que a discussão seja feita em todas as instâncias. É um projeto muito oportuno e vai de encontro ao que a gente sustenta. Estamos à disposição para o que for preciso”, garantiu.

Deixe um comentário