Prefeitura diz que custo com ONGs de animais de rua seria de quase R$ 18 milhões por ano e Justiça derruba pagamento obrigatório
A briga judicial entre Organizações Não-governamentais (ONGs) e a Prefeitura de Campo Grande ganhou um novo capítulo nessa semana. Isso porque uma nova decisão atendeu ao pedido do Município e desobrigou o pagamento pelos serviços prestados no resgate de animais abandonados.
O presidente do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), desembargador Sérgio Martins, suspendeu a decisão anterior, da 4ª Câmara Cível do TJMS, e deferiu o pedido da Prefeitura, que acusou falta de recursos em caixa para atender a situação. Conforme consta no processo, o impacto orçamentário foi estimado em R$ 17.952.000 por ano.
A PGM (Procuradoria-Geral do Município) apontou que seriam necessário, por mês, cerca de R$ 742 mil para atender apenas aos cães e mais R$ 754 mil para os gatos. “Fazendo com que deixe de prestar serviços essenciais à população, inclusive, outros serviços relacionados à própria política de bem-estar animal”, citou a defesa.
Diante disso, o desembargador responsável acatou o pedido, pontuando que a decisão impugnada causará grave lesão à ordem e à economia públicas. Dessa forma, até que uma nova decisão não seja proferida no processo, a Prefeitura não está mais obrigada a pagar às ONGs e cuidadores voluntários de animais em situação de rua.
Entenda o caso
A ação foi movida pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) com o objetivo de obter diversas medidas em relação à proteção de animais que sofrem abandono e maus-tratos em Campo Grande.
Entre as medidas solicitadas estavam o acolhimento temporário dos animais enquanto não houvesse local apropriado para abrigá-los; implementação de programa de famílias acolhedoras, por meio de cadastro de voluntários; custeio dos animais abrigados em ONGs e protetores independentes, incluindo despesas com alimentação, cuidados veterinários e procedimentos como vermifugação, castração, vacinação e microchipagem; e criação de plano de ação para o manejo dos animais acolhidos em lares temporários, incluindo campanhas de conscientização e feiras de adoção.
Inicialmente, o juiz da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais indeferiu a concessão da tutela de urgência, alegando ausência do perigo de demora, requisito legal necessário para sua concessão. O magistrado afirmou que os problemas relatados já eram de conhecimento público e vinham ocorrendo há muito tempo, não havendo, portanto, provas suficientes para justificar a medida drástica solicitada.
O MPMS interpôs agravo de instrumento reafirmando seu pedido. Nas contrarrazões, o Município argumentou que as medidas requeridas teriam impacto financeiro e que haveria impossibilidade jurídico-constitucional de intervenção do Poder Judiciário na execução do orçamento, além de ressaltar a discricionariedade do Poder Executivo na implementação de políticas públicas, invocando o princípio da separação dos Poderes.
No acórdão proferido pela 4ª Câmara Cível, porém, o recurso do Ministério Público foi provido por unanimidade. O relator, Des. Alexandre Bastos, afirmou que a administração pública não pode se escudar na conveniência e oportunidade do gestor para se eximir de suas obrigações. Segundo seu entendimento, em situações anormais, o princípio da legalidade prevalece sobre a conveniência e oportunidade, permitindo a intervenção do Poder Judiciário.
O desembargador enfatizou que a intervenção do Poder Judiciário na execução da lei orçamentária não configura intromissão, uma vez que é obrigação do poder público prestar assistência aos animais em situação de vulnerabilidade. Para o relator a lei orçamentária enviada pelo Executivo deve contemplar todas as suas obrigações, agindo dentro de uma estrita legalidade.
“É fato notório e de conhecimento de todos os participantes deste processo que no Município de Campo Grande há um expressivo número de cães e gatos em estado de abandono, perambulando pelas ruas da cidade, o que revela que o órgão criado não tem cumprido o seu mister e, por via de consequência, há omissão do poder público quanto a políticas públicas que lhe são impostas pela legalidade estrita do art. 37, caput, da Constituição Federal”, disse o julgador.
O acórdão, porém, destacou que o custeio para as casas de apoio deve ser concedido apenas às organizações sociais civis que atendam aos requisitos legais, conforme estabelecido na Lei Municipal nº 5.912/2017 e suas alterações.
Até então, com a decisão da 4ª Câmara Cível, o acolhimento temporário, a estruturação de um programa de famílias acolhedoras, o custeio dos animais abrigados e a implementação de um plano de ação para o manejo desses animais deveriam ser realizados pelo Município no prazo de 90 dias.