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Dona de creche que agredia e dava remédios para crianças dormirem vai responder por maus-tratos e tortura

A empresária de 30 anos que foi presa em flagrante por agredir e dopar crianças na creche que administrava, em Naviraí, vai responder pelo crime de maus-tratos, tortura e exposição da vida ou saúde a perigo iminente. A conclusão do inquérito e o indiciamento foi divulgado na quarta-feira (19), sendo que ela está detida preventivamente em um presídio estadual desde o dia 10 destes mês, quando foi alvo de uma operação da Polícia Civil.

Além dela, uma outra mulher, de 26 anos, que trabalhava na creche e também foi flagrada praticando maus-tratos contra um bebê de 11 meses, foi indiciada por omissão e pela administração de medicamentos com efeito colateral de sonolência. Ela chegou a ser presa naquele dia, porém, foi solta ao pagar fiança de R$ 1.320,00.

De acordo com a investigação, apesar de ter o nome ‘creche’, o local era a própria casa da autora que prestava serviços de cuidadora de crianças sem fins educacionais. Uma das provas para isso foi o fato de que não possuia alvará de funcionamento ou qualquer outra documentação que comprovasse o exercício legal de uma instituição de ensino infantil.

Ainda conforme o inquérito, de maneira explícita, a empresária agrediu físicamente e psicologicamente ao menos 20 crianças na faixa-etária do zero aos sete anos. “Convicta da impunidade de cometer os atos ilícitos há meses, sem que nenhuma ação fosse tomada. Estava convicta nas dissimulações que fazia com os pais das vítimas e segura de que não seria descoberta porque boa parte das crianças sequer conseguia falar, já que eram bebês”, detalha a investigação.

Entre as agressões cometidas estavam puxões de cabelo, beliscões, tapas no rosto, pescoço escopo que era usados como desculpa para “castigar e disciplinar” as crianças, mas eram repassadas como acidentes domésticos aos pais, como se as vítimas tivessem caído e se machucado.

Ainda segundo o documento, em um dos casos descobertos, a empresária esfregou uma calcinha suja de fezes no rosto de uma menina de 6 anos e portadora do espectro autista como forma de punição por ter feito cocô na roupa e, por isso, precisava ser “doutrinada”. Outra criança, de três anos, vomitou em uma das refeições e teve o rosto esfregado no prato.

As crianças que faziam xixi na roupa eram colocadas em situação vexatória, porque a proprietária obrigava as outras crianças a fazerem roda, bater palmas e os chamarem de ‘mijões’, além disso ameaçava de cortar o órgão genital delas, caso voltassem a fazer xixi no colhão. Houve relato de que uma das crianças teve a roupa molhada de xixi esfregada no rosto como castigo.

De acordo com o relato da mãe de uma das crianças, de sete anos, a filha contou que devia ficar sentada assistindo tv, porque se fizesse bagunça a proprietária iria deixá-la de castigo, ajoelhada no milho até o joelho sangrar. Outra mãe perguntou para o filho por que ele nunca havia falado sobre tais agressões e ele respondeu que a proprietária o ameaçou colocá-lo de castigo, deixando-o ajoelhado até os joelhos sangrarem.

O flagrante

Dona de creche que agredia e dava remédios para crianças dormirem vai responder por maus-tratos e tortura
Creche funcionava no Bairro Sol Nascente e o valor médio por criança era de R$ 280. (Foto: PCMS)

Câmeras instaladas pela Polícia Civil, com autorização judicial, captaram, nas primeiras horas de monitoramento, imagens de agressões físicas contra uma bebê de 11 meses. Em uma das imagens foi possível observar a proprietária jogando uma mamadeira na direção da criança, que apesar de passar perto não a acerta, sendo a bebê em seguida levantada brutalmente pelo cabelo para ser ajeitada no colchão. 

Em outro momento a bebê foi deixada sozinha com uma mamadeira, enquanto mamava as cuidadoras ficavam em outra parte do cômodo, sem visão da bebê, colocando-a em risco de eventual engasgamento. Há imagem que mostra uma cuidadora colocando um travesseiro sobre o rosto da bebê, antes de colocá-lo embaixo da cabeça dela, para em seguida dar-lhe medicamento para dormir.

A maioria das testemunhas ouvidas relataram que essa bebê era que sofria agressões constantes, ora era empurrada para trás pela cabeça, ora tinha a boca tampada por pano. A bebê passou por exame de corpo de delito e o laudo constatou que apresentava eritema associado à discreto edema em região malar esquerda e lesão bolhosa no pé esquerdo, o que corroborou o relato de uma das crianças ouvidas, a qual disse que presenciou essa bebê apanhando inclusive no pé.

Pessoas que trabalharam no local no início do ano disseram que havia restrição ao uso do aparelho celular e contato com os pais, chegaram a avisar algumas mães que não acreditaram nelas, além disso, nunca denunciaram os fatos porque achavam que não acreditariam nelas sem filmagens ou fotos. Relaram que as crianças levavam tapas, chacoalhões e puxões de orelha caso levantassem do colhão para brincar.

Segundo esses ex-funcionárias, algumas crianças choravam muito e elas acreditam que fosse por fome, pois a proprietária só dava mamadeira e, às vezes, banana, mesmo que as mães tivessem mandado lanches para os filhos. Uma delas contou que a proprietária gritava muito com as crianças, negava alimentos, deixava muito de castigo e não deixava brincar, servia comida apenas na hora de tirar as fotos e depois ninguém mais podia repetir a comida.

Se alguma criança pedisse comida, ela dizia que era morto de fome e olho gordo. Oito crianças que passaram por situações de agressões físicas e psicológicas ou as presenciaram foram ouvidas em procedimento de escuta especializada e relataram espontaneamente os episódios vivenciados. A escuta é feita por profissional especializado e é aplicada em casos de crianças vítimas e testemunhas de violência.

Crianças tomavam remédio para dormir

Dona de creche que agredia e dava remédios para crianças dormirem vai responder por maus-tratos e tortura
Frasco de medicamento que era usado nas crianças (Foto:PCMS)

A Polícia Civil ouviu 20 mães/responsáveis legais pelas crianças atendidas na suposta creche. Algumas apresentaram filmagens onde os filhos aparecem em estado de sonolência induzida.

O laudo pericial de vistoria no estabelecimento constou que em relação ao medicamento apreendido, que foi flagrado sendo ministrado pela cuidadora, que confirmou ter ministrado 20 gotas, a uma bebê de onze meses, é contraindicado para menores de 02 anos e é destinado ao controle de enjoos, vômitos e tonturas de diversas origens. O início de ação ocorre 15 a 30 minutos após a administração e a duração pode persistir de quatro a seis horas e causar sonolência. Em crianças pequenas pode causar excitação.

Ainda, segundo o laudo, pode causar efeitos indesejados, como sedação, visão turva, boca seca, retenção urinária, tontura, insônia e irritabilidade, sendo que em caso de dose excessiva do medicamento (superdose), podem ocorrer sonolência intensa, aumento dos batimentos cardíacos, batimentos irregulares, dificuldade para respirar, e espessamento no escarro, confusão, alucinações e convulsões, podendo chegar à insuficiência respiratória e coma.

Segundo apurado, o remédio era ministrado para as crianças, sob a alegação de que era para tratamento de gripe ou preveni-la em crianças que não estavam gripadas. Contudo, seu real intuito era fazer as crianças dormirem durante o período em que ficavam no estabelecimento.

De acordo com os pais, muitas vezes ao buscarem as crianças elas já estavam dormindo, permaneciam dormindo durante toda a noite e ainda tinham dificuldade de acordar durante a manhã, apresentavam sonolência na escola e também fora do horário normal, além de irritabilidade e agressividade.

A mãe de uma criança, de dois anos, relatou que recebeu um vídeo da proprietária, com duração de quase um minuto, onde o filho nem piscou. A mãe chegou a desconfiar que o filho estava sendo medicado para dormir, mas sem conseguir ter certeza, deixou de levar o filho ao local.

As investigações devem continuar, inclusive, porque algumas crianças que foram citadas como vítimas ainda não foram identificadas. A maioria das pessoas foram ouvidas após a prisão da proprietária, quando o caso foi divulgado e os pais perceberam que alguns sinais que acharam estranhos podiam ser na verdade em decorrência de atos de violência vividos pelos filhos.