De rio poderoso a fio de água barrenta, Paraná aciona alarme climático
Gustavo Alcides Díaz, pescador e caçador argentino de 40 anos e morador de uma ilha margeada por um rio, está em casa na água. Antigamente, o Rio Paraná banhava as margens próximas de sua casa de palafitas de madeira, que ele alcançava de barco. Os peixes lhe davam alimento e renda, e ele destilava a água do rio para beber. Agora, ele contempla um fio de água barrenta.
O Paraná, segundo maior rio da América do Sul, só atrás do Amazonas, atingiu neste ano seu menor nível desde a baixa recorde de 1944, afetado por secas cíclicas e chuvas minguantes em sua foz brasileira. A mudança climática só piora essas tendências.
O declínio da hidrovia, que conecta uma parcela enorme do continente, afeta comunidades ribeirinhas como a de Díaz, atrapalha o transporte de grãos na Argentina e no Paraguai e contribui para um aumento dos incêndios florestais, prejudicando sistemas de pântanos.
“Isso é histórico. Nunca o vi tão baixo em toda minha vida”, disse Díaz em sua casa de Charigue, cerca de 300 quilômetros acima em relação à capital Buenos Aires, lamentando o impacto nos estoques de peixe e de água doce. “Quando tudo seca, a água apodrece.”
A crise do Paraná é um dos muitos dramas surgindo em todo o mundo em decorrência da mudança climática global, ligada à queima de combustíveis fósseis e às emissões de gases de efeito estufa.
Líderes mundiais devem se reunir na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021 (COP26) em Glasgow, na Escócia, a partir do próximo dia 31, em meio a alertas de uma comissão da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre transtornos relacionados ao clima pelas próximas décadas, senão séculos.
O Paraná nasce no sul do Brasil, serpenteia por cerca de cerca de 4.880 quilômetros pelo Paraguai e pela Argentina até chegar ao Oceano Atlântico. Ele é uma hidrovia vital para a pesca e as remessas comerciais, fornece água potável a milhões de pessoas, impulsiona hidrelétricas e apoia uma biodiversidade rica.
Bilhões de dólares de commodities agrícolas, como soja, milho e trigo, são transportadas para portos ao longo do Paraná para serem enviadas a todo o mundo. Ele dá vazão a cerca de 80% das exportações agrícolas da Argentina, mas agora algumas transportadoras estão estudando movimentar bens por terra devido aos níveis de água reduzidos.
Em alguns momentos deste ano, o fluxo do Paraná diminuiu para pouco mais da metade de seu volume normal. Imagens de satélite mostram claramente o quanto o rio recuou.
O clima seco, que provoca o declínio do rio, se deve em parte a um ciclo natural de longo prazo de padrões climáticos, que está sendo agravado pelo aquecimento global, pela queima em pântanos e pela construção de represas de hidrelétricas – todos coincidindo com o fenômeno oceano-atmosférico natural conhecido como La Niña, que diminui os níveis das chuvas, disse o agrônomo e especialista do clima Eduardo Sierra.
O ciclo seco mais abrangente poderia durar décadas, forçando um reajuste para comunidades, agricultores e transportadoras, acrescentou.
“Isso é um evento que acontece duas vezes a cada século”, disse ele, que também é conselheiro da Bolsa de Grãos de Buenos Aires, referindo-se ao declínio do rio.
“Também temos uma causa humana, que é o aquecimento global, que está acentuando todas as variações do clima”, afirmou Sierra, observando que a atividade humana, inclusive a construção de represas, também “causa impacto na capacidade do rio de se autorregular”.
O Paraná, que significa “como o mar” na língua tupi-guarani, é formado pela convergência do Rio Grande e do Paranaíba no Brasil. Ele fica repleto de água em estados como Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso do Sul antes de sua longa jornada ao estuário do Rio da Prata, em Buenos Aires.
Estas áreas sofreram declínios constantes nos níveis das chuvas nos últimos 10 anos, de acordo com uma análise da Reuters de dados climáticos da Refinitiv relativos às últimas três décadas.