Apenas o pai e a tia acompanham julgamento do caso Marielly; advogados querem a prescrição
Sentados logo na primeira fila do auditório do Fórum de Sidrolândia, o pai Marcos Rodrigues, ao lado de sua irmã Renata, estão acompanhando o julgamento final do caso Marielly Barbosa Rodrigues, morta aos 19 anos. Os dois são os únicos familiares dela no local, mas não deram declarações à imprensa. Nesta quinta-feira (15), o júri popular vai decidir se Hugleice Silva e o enfermeiro Jodimar Ximenes Gomes são, de fato, os responsáveis pelo aborto seguido da morte e a ocultação de cadáver da jovem.
A investigadora Maria Campos foi uma das primeiras pessoas ouvidas no tribunal. Em sua versão, afirmou que sempre desconfiou do cunhado de Marielly, Hugleice Silva, principalmente por estar sempre próximo das investigações e buscando por atualizações do caso. “Se aproximou muito de mim e então percebi que estava tentando ganhar a minha confiança”, relatou ela. Quando acharam o corpo da vítima, ele disse, na hora do reconhecimento, que não seria da estudante. Logo depois, ele mudou de endereço com a irmã e a mãe da vítima.
A defesa quer a liberdade, alegando principalmente que o caso já prescreveu. O advogado José Roberto Rodrigues da Rosa disse para a imprensa que Hugleice confessou que levou Marielly para fazer o aborto por pedido de ajuda dela. “Ele fez contato com o Jodimar. A confissão dele está caracterizada e ele vai responder por isso. Na ocultação de cadáver, se ele for condenado, temos a prescrição. No crime de aborto seguido de morte, nós também temo a prescrição”, destacou.
O advogado David Olindo, que representa o enfermeiro Jodimar, pede a negativa de autoria. “Jodimar nunca mudou a versão dele. Sempre disse que não estava lá, que não conhecia Hugleice. Caso seja condenado por ocultação de cadáver, o crime já prescreveu. A denúncia chegou em 2011”, afirmou.
Preso por tentativa de homicídio
Atualmente, Hugleice Silva está preso na Penitenciária Major Eldo de Sá Corrêa, em Rondonópolis (MT), onde cumpre pena por homicídio tentado qualificado ocorrido em 2018 contra Mayara Barbosa, irmã mais velha de Marielly. Ele foi condenado no dia 11 de novembro de 2020 a 12 anos e 3 meses de reclusão em regime inicial fechado.
Ele teria flagrado mensagens no celular da esposa e esfaqueado ela no pescoço em novembro de 2018. Segundo as informações, ele ainda teria amarrado a esposa depois de esfaqueá-la. Ele fugiu, mas acabou preso em Dourados pela PRF (Polícia Rodoviária Federal) na BR-163. Na ocasião, disse estar arrependido pelo crime.
O caso
Onze anos após o crime, Hugleice de Souza e o enfermeiro Jodimar Ximenes Gomes estão sendo levados a júri popular pela morte de Marielly Barbosa Rodrigues, de 19 anos, cunhada de Hugleice, que morreu durante aborto clandestino em maio de 2011, em Sidrolândia. Os dois responderão por provocar aborto com o consentimento da gestante, mediante fraude, grave ameaça ou violência, com a qualificadora de resultar na morte da gestante, e por ocultação de cadáver, conforme denúncia do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul).
O caso ocorreu em maio de 2011. Segundo denúncia do Ministério Público, Hugleice era casado com a irmã de Marielly, mas manteve relacionamento sexual com a cunhada, que originou a gravidez. De comum acordo, ambos teriam decidido pelo aborto e Hugleice levou a vítima de Campo Grande até a casa de Jodimar, em Sidrolândia, para quem pagou R$ 500 para que o aborto clandestino fosse feito.
Durante o procedimento, a jovem passou mal e morreu por complicações do aborto no dia 21 de maio de 2011. Após o enfermeiro contar sobre a morte, ele e Hugleice colocaram o corpo de Marielly em uma caminhonete e o deixaram em um matagal. O desaparecimento da jovem mobilizou parentes, amigos, vizinhos, políticos e a opinião pública para encontrar a filha. Uma manifestação na Avenida Afonso Pena chegou a ser feita pela família na época cobrando pela investigação do caso.
O corpo da universitária foi encontrado em 11 de junho em um canavial, numa estrada vicinal de Sidrolândia, já em estado de decomposição avançado. Em julho do mesmo ano foi decretada a prisão de Hugleice, que até então negava qualquer envolvimento com o caso, mas confessou após de ser preso, e de Gomes, que continua a alegar inocência.
A Justiça concedeu liberdade a Hugleice ainda em setembro daquele ano, mas ele voltou a ser preso em novembro de 2019, após esfaquear a esposa, irmã de Marielly, no Mato Grosso, onde mora desde que foi solto pela morte da universitária. Em 2019, a defesa dele apresentou nova versão, alegando que a família da universitária seria cúmplice do aborto mal sucedido que a matou.
Conforme o advogado de Hugleice, José Roberto da Rosa, ele assumiu o crime para acobertar sua mulher e a sogra, respectivamente irmã e mãe da vítima. Na época do crime, causou estranheza o fato da família de Marielly continuar aceitando ele, inclusive com a manutenção do casamento com a irmã.
Durante as investigações, a polícia chegou à conclusão de que família mentiu e atrapalhou o caso. O delegado responsável à época, Fabiano Góes Nagata, garantiu que mãe e irmã tentaram encobrir a participação de Hugleice, inclusive, criando álibi falso. Todos os familiares declararam, em depoimento, que o rapaz estava em casa, em frente ao computador às 18 horas do dia 21 de maio, sábado, dia em que a jovem desapareceu.
Mas houve a quebra de sigilo telefônico e mostrou que no dia e horário citados, ele estava em Sidrolândia, onde o corpo foi encontrado e onde mora Jodimar. A investigação pontuou que o homem era o responsável por sustentar toda a família da vítima, bem como a mãe e a irmã, com quem era casado. No inquérito, o delegado afirmou que os dois poderiam ter evitado a morte da jovem levando para o hospital.