Antes de erguer a taça de campeão, atleta de futevôlei foi vítima de racismo em MS
Todo mundo que estava presente na quadra de areia onde acontecia a partida do campeonato de futevôlei, em Maracaju, pôde ouvir quando o narrador oficial anunciou pelo microfone que era hora de ‘chamar o monstro’, acrescentando em seguida que este havia ‘saído da senzala’. No primeiro momento, o episódio parece ter passado despercebido, mas causou indignação em todos, especialmente para o atleta que foi alvo do ato racista, transmitido ao vivo pelas redes sociais.
Jonathan David, de 25 anos, é natural de Maceió, capital do Alagoas, e participava do campeonato profissional de futevôlei no último fim de semana quando foi vítima de racismo. Na ocasião, o narrador anuncia o nome do atleta, que está sentado na beira da quadra aguardando ser chamado para entrar. “Agora vamos chamar o mostro… Saiu da senzala ele…”, disse o locutor no microfone, aparentemente forçando uma piada, mas que foi totalmente sem graça.
Veja o vídeo abaixo:
Atleta alagoano de futevôlei sofre ato racista em Mato Grosso do Sul, durante um evento profissional. pic.twitter.com/b1nzPKSjD9
— Alves e os isqueiros (@alvesmr2) August 16, 2022
Após ouvir a frase, Jonathan ficou parado por um curto segundo, até que se levantou e seguiu para a linha de campo, sorrindo. Pelas redes sociais, o jogador compartilhou algumas das mensagens de apoio que recebeu de amigos e até mesmo de organizações esportivas. Em entrevista para o site Gazeta Web, ele afirmou que as palavras foram intoleráveis e que está entrando com as medidas cabíveis. “Foi uma sensação que nunca passei na vida”, descreveu.
Ele também disse que pensou em não jogar, após ouvir o chamado do narrador. “Eu não iria me levantar, no vídeo dá até para ver que eu fiquei alguns segundos sentado, me sentindo bem humilhado. Mas sou atleta profissional e é dali que tiro meu sustento. Daí levantei e fui jogar”, complementou na entrevista ao site. O atleta ainda se destacou por ter sido o grande campeão do torneio. “Consegui vencer, na minha cabeça, eu não podia deixar isso me abalar”.
O narrador responsável pela fala racista enviou uma nota de esclarecimento: “Antes de mais nada, quero admitir o meu erro. O que ‘narrei’ durante a apresentação do ATLETA JOHNATAN não condiz com o que penso e o que vou ensinar a meu filho. Todos sabem que eu NARRO os jogos de forma amadora e não profissionalmente. Infelizmente, agi ERRADO; cometi o grave erro de falar o que falei com a conotação racista. Gostaria de me desculpar com todos, principalmente com o ATLETA E SUA FAMILIA, sem exceção, mas sobretudo com a comunidade afrodescendente. De coração aberto, estou disposto a fazer desse erro um aprendizado honesto e integral. Também quero me desculpar com o CT P67 de Maracaju MS que é uma instituição que desde sempre prega e luta pela igualdade, com meus companheiros de equipe e minha família”. O nome dele foi preservado.
O caso seré encaminhado para o Ministério Público de Mato Grosso do Sul e também de Alagoas, onde o atleta vive, e será investigado. O crime de injúria racial está inserido no capítulo dos crimes contra a honra, previsto no parágrafo 3º do artigo 140 do Código Penal, que prevê uma forma qualificada para o crime de injúria, na qual a pena é maior e não se confunde com o crime de racismo, previsto na Lei 7716/1989. Para sua caracterização é necessário que haja ofensa à dignidade de alguém, com base em elementos referentes à sua raça, cor, etnia, religião, idade ou deficiência. Nesta hipótese, a pena pode ir de 1 a 3 anos de reclusão.