Campo Grande 120 anos: Qual a melhor comida da Capital?
Sobá, espetinho, arroz carreteiro, comida árabe ou um peixe para variar? Quando se fala em comida típica campo-grandense as opiniões são diversas, mas uma coisa é inegável: a carne é o elemento onipresente. Acompanhada da tradicional mandioca, misturada ao arroz ou com toque sofisticado de ingredientes regionais como a erva mate e rapadura, ela é sempre a rainha da festa.
A chef e professora de gastronomia, Dedê Cesco, considera o arroz carreteiro o prato mais emblemático de Campo Grande – mais que o Sobá. A explicação da chef faz todo sentido. Segundo ela, comida tradicional é aquela que a maioria das pessoas sabe fazer. “A carne que sobra do churrasco do final de semana, sempre acaba se transformando num arroz carreteiro”, explica. O costume pantaneiro, segundo ela, se tornou tradição também na capital.
Ex-aluno de Dedê Cesco, atualmente professor de gastronomia da Faculdade Internacional da Paraíba. Fábio Cunha – que já chefiou a cozinha do governador da Paraíba – considera o Sobá a comida mais amada pelos campo-grandenses. O prato chegou à capital junto com os imigrantes de Okinawa e foi ganhando espaço na culinária local a partir da Feirona, nos altos da Avenida Mato Grosso. Desde 2006 a iguaria foi alçada ao status de bem cultural e tombado pelo IPHAN como Patrimônio Histórico e Artístico de Mato Grosso do Sul. “Com exceção de São Paulo, nenhum outro lugar do Brasil faz o nosso Sobá”, atesta o chef, explicando que a receita original sofreu adaptações para agradar o paladar dos campo-grandenses. “Ao invés da carne suína, aqui se faz com carne bovina”, conta Fábio, ele mesmo um grande apreciador do prato.
De passagem por Campo Grande, convidado para o Comitiva dos Chefs, evento promovido por Dedê Cesco, o professor diz que a culinária campo-grandense evoluiu na utilização dos produtores regionais, principalmente nos temperos, com destaque para a utilização da erva mate no chimichurri. Mas em matéria de comida afetiva, Fábio confessa que o Caribéu (guisado de carne seca com mandioca) ainda é imbatível. “Nossa mandioca é a melhor do Brasil”, exalta.
Bagagem do chef tem até caldo de piranha congelado
Considerado embaixador da gastronomia regional, o chef e professor de gastronomia, Paulo Machado viaja pelo Brasil e exterior mostrando os sabores de Mato Grosso do Sul. Na bagagem, além dos tradicionais instrumentos de corte, ele leva farinha de mandioca (comprada no mercadão), erva-mate, farinha de guariroba, castanha de Barú e até caldo de piranha congelado. Sua culinária é tão especial que em 2015 recebeu o Prêmio Dólmã de melhor chef de cozinha brasileira. Além de pesquisador e divulgador de ingredientes regionais, o chef tem currículo de peso. É formado pelo Instituto Paul Bocuse de Paris e Mestre em Hospitalidade pela Universidade Anhembi Morumbi de São Paulo. Além de ministrar cursos, Machado criou a empresa FoodSafari que faz viagens exclusivas na área gastronômica.
Mas a primeira coisa que o campo-grandense faz, depois de longas temporadas fora da terrinha, é ir à Feira Central comer Sobá com espetinho e mandioca com shoyo. “Morro de saudades destes sabores”, confessa Paulo com largo sorriso. Embora sua preferência seja um dos ícones de Campo Grande, o chef considera a comida árabe a culinária que mais representa a capital do Estado. “As pessoas daqui não passam uma semana sem comer ao menos uma esfirra”, atesta, ressaltando a enorme influência desta culinária trazida pelos imigrantes.
Outro ponto relevante na culinária da capital, segundo Paulo, é a comida caseira. Isto, segundo ele, porque o campo-grandense ainda tem o hábito de almoçar em casa. No tradicional cardápio das residências, de acordo com o chef, a carne ainda é o elemento principal. “Não existe nada mais saudável que arroz, feijão, paçoca de carne seca e salada, tudo feito em casa”. Para um cidadão do mundo como ele, a escolha da chamada confort food é mais que natural. É a sensação literal de voltar para casa.
Carne ganha novos temperos e sabores
A primeira coisa que o turista faz ao visitar uma cidade é perguntar qual o prato típico do lugar. Afinal a experiência gastronômica faz parte de toda viagem, inclusive de negócios. Em Campo Grande, não poderia ser diferente. Pensando nisto, o chef Gustavo Helney, cujo estabelecimento está instalado em um hotel, colocou no cardápio alguns pratos que, segundo ele, possuem uma identidade regional. Mesmo reconhecendo a fama da carne, Helney diz que a capital recebe grande influência de pescados.
Em sua opinião, o Pacú, é o peixe que mais representa o Estado. E quem considera os espinhos um grande empecilho, é bom saber que ele já pode ser comprado totalmente limpo. Isto facilita e muito o trabalho do chef que criou o Ceviche de Pacu com limão rosa. Mesmo apostando no peixe, Helney reconhece que a preferência do turista sempre é pela carne. Um dos sucessos da casa é um prato chamado “Nhecolândia” – com maminha soleada, molho à base de rapadura flambado na cachaça e farofa feita com bocaiuva. Mais regional, impossível!
O clássico espetinho, que disputa com o Sobá, um lugar no coração dos campo-grandenses, está conquistando cada vez mais espaço na cena gastronômica da cidade. A iguaria, que é acompanhada de mandioca e farofa, acaba de ganhar um ingrediente extra. Especialista em carnes, com formação em gastronomia, Igor Samaczuk, resolveu inovar o tradicional espetinho com um molho pra lá de especial e inusitado: chimichurri feito com infusão quente de azeite com erva mate. Além desta inovação, Igor também aposta na desmistificação dos chamados “cortes de segunda” e usa o miolo do acém para fazer espetinhos, que são assados numa parrilha ao invés da tradicional churrasqueia.
Em sua opinião, nos últimos dois anos o campo-grandense está descobrindo novos cortes de carnes. Para o especialista não existe carne de segunda quando o boi é de primeira. “Trabalhamos com a valorização do animal”, diz Igor que também está investindo em outra carne, bem diferente e exótica: a carne de jacaré, que ele usa para fazer hambúrgueres. A carne do jacaré vem direito de um frigorífico inaugurado há dois anos pelo Governador Reinaldo Azambuja. Quem já experimentou a novidade, garante que é uma delícia! Será que um dia o jacaré vai engolir o espetinho e o Sobá? A conferir.
E pelo andar da carruagem ou, melhor dizendo, pelo tilintar das panelas, Campo Grande pode até tornar-se uma atração gastronômica no roteiro turístico do Estado. Segundo o diretor presidente da Fundação de Turismo do Estado, Bruno Wendling, eventos gastronômicos, como a Comitiva dos Chefs, realizado na Esplanada Ferroviária, se forem trabalhados de forma contínua com estratégia de promoção nacional, aliados a integração com produtos turísticos já existentes, pode fazer de Campo Grande um destino de gastronomia. “Turistas buscam não apenas destinos, mas experiências”, aposta Wendling. Neste ponto, a culinária, que engloba todos os sentidos, é uma experiência e tanto.
- Por Theresa Hilcar, da Subsecretaria de Comunicação (Subcom)
- Fotos de Bruno Chaves/Elis Regina