Em meio ao tratamento de um câncer, servidora recorre a Justiça pelo direito de usufruir da licença-maternidade
Na luta contra o câncer de mama, uma mulher conseguiu obter uma vitória nos tribunais sul-mato-grossenses. Isso porque o órgão público onde ela trabalha queria aproveitar o momento de ausência dela diante do tratamento médico para preencher também o período de licença-maternidade, garantido por lei para todas as mamães brasileiras. Desta forma, ela não teria mais um tempo dedicado exclusivamente ao recém-nascido, devendo então regressar ao trabalho.
Diante da situação, ela ingressou com um mandado de segurança para determinar que a licença-maternidade tenha início somente quando receber a alta médica do tratamento contra o câncer. O pedido dela foi concedido por unanimidade pelo desembargadores da 1ª Seção Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS).
Da alegria de ser mãe à dor de um câncer
De acordo com o processo, a mulher descobriu a doença durante a gravidez de seu segundo filho. Ela é servidora pública estadual e foi diagnosticada com neoplasia maligna nos seios, com pontos metastáticos na axila esquerda, em setembro de 2019, quando tinha 41 anos de idade.
Na ocasião, ela estava no quinto mês de gestação e, mesmo assim, viu-se obrigada a dar início ao tratamento quimioterápico até o nascimento dele, em janeiro de 2020. Não há informações sobre o quadro clínico do bebê.
No mês seguinte ao nascimento, a servidora começou a segunda fase das sessões de quimioterapia, sofrendo todos os efeitos colaterais adversos, até que, em maio, viu-se necessária a realização de cirurgia para retirada total da mama e dos linfonodos da axila.
Devido ao procedimento, a servidora sofreu perda da força e mobilidade do braço esquerdo, estando privada de atividades básicas com seu bebê, como pegá-lo no colo, dar banho e amamentar. O tratamento ainda não foi encerrado, agora precisa passar por sessões de radioterapia que serão feitas somente quando se recuperar totalmente da cirurgia.
Atualmente, a servidora está sob afastamento médico por atestado, mas apesar disso e de toda a situação relatada, a Administração Pública Estadual deu início à sua licença-maternidade concomitante aos atestados médicos apresentados, de forma que a licença, inclusive, já se encerrou.
Inconformada com a situação, a servidora impetrou Mandado de Segurança para que fosse determinado o início da licença maternidade somente a partir da sua alta médica.
Por sua vez, o Governo do Estado alegou que agiu em obediência à estrita legalidade, pois a legislação estabelece como termo inicial o determinado pela perícia médica oficial, podendo ser, inclusive, em até 28 dias antes do parto. Com o impasse, o caso foi parar no TJMS.
O julgamento do caso
Em seu voto, o relator do processo, Des. Paulo Alberto de Oliveira, frisou que não há que se falar em “legalidade estrita”, pois o caso em análise foge totalmente de situações “comuns” de gestação e parto, pois se tem uma mãe enfrentando uma doença extremamente agressiva. “Em outras palavras: a grave situação vivenciada pela impetrante não se encontra regulamentada, não há legislação específica sobre o tema, de modo que não subsiste a pretensão de se querer fazer crer que, fundado no princípio da legalidade estrita, não há o invocado direito líquido e certo em favor da impetrante”.
O desembargador ainda destacou que, ainda se houvesse o entendimento de limitação na legislação infraconstitucional ao pedido da impetrante, os princípios da dignidade da pessoa humana, o direito fundamental à licença-maternidade, o dever do Estado de assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, são fundamentos presentes na Constituição Federal e, portanto, devem prevalecer sobre qualquer normativa abaixo dela.
“E, com a máxima vênia, parece-me até desumano querer forçar a impetrante ao retorno imediato ao trabalho, privando-a do convívio com o seu filho recém-nascido; restringindo o contato necessário para o saudável desenvolvimento físico, psíquico e emocional da criança (razão da licença maternidade) e, repita-se, tudo isso após a impetrante enfrentar uma doença grave (câncer de mama), com tratamento quimioterápico e cirúrgico (mastectomia radical)”, concluiu o relator.