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Crônica: A mulher que enfrentou a rua, o Sol e o cansaço para ir votar

Foi no horário mais quente do domingo eleitoral que a senhora, cujo nome jamais saberei, me indagou sobre a quantidade de pessoas que estavam no colégio do bairro, onde ficava a sessão de votação dela. Vítima da idade já avançada e com muitas dificuldades de locomoção, ela encontrou repouso em uma das raríssimas sombras na rua que leva até o seu destino final.

Naquela altura do tempo já havia cumprido com o meu dever de cidadão e regressava para casa lutando contra as sacolas do mercado que traziam os ingredientes para o almoço de logo mais. Ainda uma quadra antes do citado encontro tinha avistado a idosa parada debaixo do pé de seriguela me fitando, de longe, enquanto dizia várias coisas através do pensamento inelegível.

A rua em pauta é uma chata e egoísta que almeja o título de mais cruel via pública da cidade. É uma ladeira nas suas duas partes (na ida e na volta), íngreme e cansativa. A idosa já havia desfrutado do primeiro trecho, descendo da parte alta e passando pelo córrego que a divide. Agora desafiava a outra metade, sozinha e armada apenas de um guarda-sol.

Ao aproximar, ela logo questionou: – Está cheio o colégio lá em cima? A pobre mulher não escondia o seu semblante de tristeza e abatimento, já praticamente derrotada.

– Quando sai, o colégio já estava vazio e sem grandes filas! – respondi para ela, no intuito de anima-lá para que pudesse continuar com o seu objetivo. E ainda citei: – porque não vai de ônibus? Hoje o passe é livre!

A idosa, no entanto, alegou que havia perdido o coletivo momentos antes de sair de sua casa e que o mesmo só voltaria a passar dentro de uma hora e alguns minutos. Decidiu, então, ir a pé seguindo o ritmo dos seus passos e acreditando na sua força e no espírito juvenil que ainda lhe resta.

No diálogo curto, lancei a oferta de justificar o voto pelo celular, algo mais prático e menos cansativo, mas a resposta dela serviu de ponto final para esta crônica: – eu tenho que ir votar no meu candidato!

Dito isso, nos despedimos e ela continuou a sua luta contra a rua, o Sol e o cansaço para atingir o seu grande objetivo.

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