Geral

“Reintegra” tira do cárcere para casa terapêutica cumpridor de medida de segurança

Cumpridor de medida de segurança do tipo internação, R. ganhou, na tarde desta segunda-feira (30), o direito de deixar o cárcere para habitar uma residência terapêutica em Corumbá. A audiência foi realizada pelo juiz da 1ª Vara de Execução Penal de Campo Grande, Mário José Esbalqueiro Junior, e faz parte de uma ação que está unindo esforços para mudar a realidade de quem cumpre medida de segurança de internação numa unidade penal.

De acordo com o art. 97 do Código Penal, a medida de internação é aplicada quando se trata de pessoas inimputáveis ou semi-imputáveis, sendo que, ao inimputável é aplicada a medida de segurança de internação ou tratamento ambulatorial por tempo indeterminado.

Segundo Esbalqueiro, “a medida de segurança na modalidade de internação é fixada com prazo mínimo, diferente do que acontece nos casos de condenação comum, onde o juiz fixa os exatos limites do cumprimento. Já para os inimputáveis, é verificado periodicamente o reequilíbrio que possibilite o retorno da vida em sociedade. Por isso a importância uma ação conjunta como esta que possibilitou o tratamento adequado e a desinternação”.

O correto segundo a lei, destaca o magistrado, é que a internação seja cumprida em hospital de custódia, o que não existe em MS e na maioria dos Estados. Por isso, na prática, esse público fica separado em alas médicas dentro dos presídios. Assim, “esse projeto possibilita dar um real tratamento mais aprofundado e individualizado dessas pessoas”, completa o juiz.

Conforme o Des. Luiz Gonzaga Mendes Marques, supervisor da Coordenadoria das Varas de Execução Penal, “foi um momento muito importante de uma junção de esforços de vários seguimentos para trazer uma possibilidade de melhorar esta questão porque da forma como está esse atendimento tem surtido efeito negativo e a pessoa de R. está sendo o primeiro a experimentar dessa iniciativa que é muito importante para todas as pessoas que estão em situação semelhante. Então, é uma responsabilidade também para ele, saindo daqui hoje, de seguir toda a orientação da residência terapêutica e do CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) de Corumbá, além da família dar apoio nesse momento, porque a continuidade do tratamento é fundamental numa situação como esta” disse.

“Tenho uma grande esperança que, com essa somatória de esforços de todos os seguimentos, como Ministério Público, Defensoria Pública, Poder Judiciário, Poder Executivo, etc., tudo isso seja fundamental para se trilhar um novo caminho em situações como esta. E esperamos crescer nessa modalidade de atendimento, com o apoio de todos para conseguirmos um êxito ainda maior nesse encaminhamento”, completou o desembargador.

A iniciativa Reintegra é uma ação intersetorial que tem a frente a promotora de justiça Renata Goya e a Defensoria Pública Estadual. É um programa de desinternação dos pacientes cumprindo medida de segurança. O Reintegra tem o objetivo de atender as pessoas que cumpram medida de segurança que tenham algum problema mental, ou seja, que cometeram um crime ou ato infracional e, em função do problema psíquico estão recolhidos no presídio de segurança máxima. Visa-se assim, que eles possam ter um ambiente adequado de tratamento, uma avaliação multiprofissional e que seja possível evoluir com estes pacientes para o tratamento ambulatorial e R. foi o primeiro caso.

Ele começou o tratamento no CAPS, vindo do presídio com o quadro de saúde bastante debilitado, inclusive com pneumonia, não estava fazendo uso adequado da medicação (apesar de prescrita), mas, segundo a coordenadora da rede de saúde mental de Campo Grande, a psiquiatra Ana Carolina Ametlla Guimarães, “há um prejuízo nesse atendimento pelo próprio ambiente institucional de um presídio e aos poucos ele foi melhorando. Primeiro tratamos a parte infecciosa, depois começamos a tratar a desorganização do comportamento e ele evoluiu muito bem e agora irá para a residência terapêutica, um dispositivo residencial com vagas para oito moradores, todos com algum sofrimento psíquico, e continuará seu tratamento no CAPS de lá. Todo esse processo foi bastante exitoso e gratificante para nós”, enfatiza a psiquiatra.

A escolha por Corumbá é justamente por ser a terra natal dele, no intuito de tentar uma aproximação com sua família, estreitando os laços que estavam rompidos para quem sabe, em algum momento, ele possa voltar a morar com seus familiares, desde que se tenha segurança de que ele vai continuar fazendo o tratamento adequadamente.

Foi uma experiência empírica, reflete a promotora de justiça Renata Goya, “nós partimos da prática e estamos agora tentando formatar este fluxo desta iniciativa que batizamos de Reintegra para que possa, de fato, se tornar um projeto. Porque nós vimos o problema que eram os inimputáveis –  pessoas cumprindo medidas de segurança de internação nas unidades penais sem, realmente, um tratamento adequado, sem um projeto terapêutico singular. Diante desta deficiência, unimos esforços e instituições e conseguimos sensibilizar o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Secretaria de Estado de Saúde, a Secretaria Municipal de Saúde, também a Secretaria de Assistência Social, e neste momento estamos convidando também o INSS e a Defensoria Pública da União, pois, percebemos que esta situação envolve vários setores e para que aconteça uma ação, realmente efetiva. É necessária essa união de esforços e foi o que vimos um pouco neste momento com o caso de R.”.

Saiba mais – os trabalhos do projeto Reintegra iniciaram há cerca de um ano, sendo que o primeiro passo foi identificar as pessoas, cruzando dados da base do Sistema de Automação da Justiça (SAJ) com a lista das pessoas presas nas unidades e, a partir daí, foram estudados os casos e verificado aqueles que estavam realmente próximos, os tipos de delito que não envolviam violência, que poderia se iniciar esse tratamento.

Embora seja mais adequado que a pessoa, quando desinternada, vá para um familiar, o que se percebe na prática é que estas pessoas acabam perdendo esses vínculos, até pela questão do cárcere, eles vão se desvencilhando desses contatos familiares, ocasionando uma institucionalização ruim, numa unidade prisional.

O que se tentou neste primeiro momento foi tentar estabilizar esse transtorno mental com medicação e terapias no CAPS de Campo Grande e, como este paciente específico é de Corumbá, ele está indo para a residência terapêutica de lá.

E, a equipe do CAPS de Corumbá tentará a reaproximação familiar, que é o ideal. O intuito é que ele fique com os “seus”. Primeiramente na cidade que ele nasceu e viveu e dos lugares que ele conhece e no futuro, junto de seus familiares, se possível.

A residência terapêutica funciona próxima de um CAPS até para facilitar o deslocamento até o centro de atendimento. Na residência, eles são acompanhados por um cuidador e existem uma série de regras que o indivíduo precisa cumprir, inclusive com delimitação dos locais que ele pode  frequentar e dos horários, ou seja, uma espécie de liberdade assistida.